Publicado
por Canal Ciências Criminais
Por Camila Neiva Almino
O Supremo Tribunal Federal, no dia 06 de outubro do
corrente ano, decidiu pela inconstitucionalidade de lei cearense (Lei n.
15.299/2013) que regulamentava a prática de vaquejada, referente à ADI 4983.
A discussão lastreou-se no conflito de normas
constitucionais, quais sejam o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
e o direito às manifestações culturais como expressão da pluralidade,
estatuídas nos artigos 225, § 1º, VII e 215,
da Carta Magna, respectivamente.
É sabido que a vaquejada é considerada uma prática
esportiva e inerente à cultura nordestina, constituindo-se quando dois
vaqueiros, montados em cavalos diversos, tentam derrubar o touro, puxando-o
pelo rabo.
Pelo próprio conceito da atividade, explícitos se
revelam os maus tratos aos animais envolvidos (aos cavalos e, principalmente,
ao touro). O rabo do touro sempre sofre uma tração forçada com o propósito de
ser derrubado e dominado. Laudos técnicos evidenciam consequências de diversas
gravidades, como sofrimento físico e mental, muitas vezes a cauda é arrancada
ou, no mínimo, sofre algum tipo de lesão, o que compromete os nervos e a medula
espinhal do bovino, além de fraturas nas patas, ruptura de vasos sanguíneos e
de intenso estresse.
Ainda, não se deve olvidar que na prática da
vaquejada, o touro é mantido enclausurado, sofrendo intenso açoitamento com a
finalidade de sair em correria no momento da abertura do portão.
Torna-se, destarte, inquestionável a tamanha
crueldade a que são submetidos os bovinos envolvidos. Porém, mesmo diante de
tal visibilidade, muitos ainda tendem a sustentar que a proibição da vaquejada
seria um atentado ao direito da manifestação cultural e, consequentemente, ao
patrimônio histórico da sociedade nordestina.
Para superação de tal controvérsia, utilizou o
Supremo a técnica da ponderação entre os direitos constitucionais do meio
ambiente e da manifestação da cultura. Fato é que a prática da vaquejada,
apesar de ter seu valor cultural inerente, sempre expõe os animais envolvidos a
uma imensurável crueldade.
Nesse sentido, o artigo 225 da Constituição Federal impõe a proteção da
fauna como forma de se atingir um meio ambiente equilibrado, sendo este um
direito fundamental de terceira geração, atrelado à solidariedade, como um
direito transindividual que tem seu escopo na proteção do próprio ser humano.
Ou seja, é dever da coletividade defender e
preservar o meio ambiente para a presente e as futuras gerações, de maneira tal
que quando houver conflito de direitos, deve-se realizar a ponderação a fim de
se ter maior preocupação com a proteção ambiental, mantendo-se, somente assim,
uma vida saudável para a sociedade atual e as vindouras, observando a relação
existente entre a proteção do meio ambiente e a vida ecologicamente equilibrada
do homem.
E mais, deve-se haver a incidência constante do
princípio da precaução atrelado à proteção do ambiente, desprezando-se qualquer
tipo de maus tratos aos animais.
Revela-se, assim, a vaquejada um espetáculo de
entretenimento por meio de tortura aos animais, tendo a crueldade sempre
intrínseca à esta prática (inimaginável a vaquejada sem quaisquer danos aos
bovinos envolvidos), o que, por si só, impossibilita a prevalência da
manifestação cultural sobre a proteção da fauna e do meio ambiente.
Não se pode tutelar, portanto, a prática da
crueldade contra animais com a justificativa única do valor cultural. Não é
razão suficiente o mero entretém das pessoas para legitimar as inúmeros
atrocidades e sofrimentos implicados aos bovinos envolvidos na vaquejada. Esta
não existe sem a crueldade, a qual não possui na Constituição Federal seu amparo, muito
pelo contrário, tem seu repúdio expresso.
Fonte: Canal Ciências Criminais