Um terreno doado a São Sebastião pertence à Igreja Católica, segundo decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça(STJ),
que refutou o argumento segundo o qual a Mitra Diocesana não poderia
agir no processo por falta de autorização para representar os interesses
do santo. Para os ministros, a doação a santo presume-se que é feita à
igreja, uma vez que, nas declarações de vontade, vale mais a intenção do
que o sentido literal da linguagem. Essa é a regra do artigo 112 do Código Civil (CC).
São Sebastião nasceu no século III, na cidade francesa de Narbonne, primeira colônia romana
fora da Itália. Ele é o santo defensor da igreja. Sua
generosidade, amplamente reconhecida entre os católicos, foi retribuída
por fiéis com a doação de um terreno no município de Paracatu (MG). A área de 350 hectares, dentro da fazenda Pouso Alegre, foi registrada em nome do próprio São Sebastião, em 1930. A Mitra Diocesana de Paracatu vendeu grande parte do imóvel, reservando 45 hectares
onde estão localizados a igreja de São Sebastião, um cemitério
centenário e uma escola. A igreja, atualmente, está sendo restaurada
pelo Patrimônio Histórico Nacional e por fiéis.
Na década de 90, um casal conseguiu na Justiça a retificação da área da fazenda para incluir os 45 hectares
de São Sebastião. A Mitra ajuizou ação de anulação da retificação. O
juiz de primeira instância, considerando “induvidoso que a Igreja
Católica, por meio de seu bispo diocesano, representa os interesses dos
santos no plano terreno”, afastou a alegação de ilegitimidade ativa da
Mitra e declarou nula a retificação de área, decisão mantida pelo
tribunal estadual.
Argumentos do recurso
No
recurso ao STJ, o casal contestou a possibilidade de São Sebastião
receber doações e a legitimidade da Mitra para representá-lo. Citando o artigo 6º do CC, alegou que “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”.
Argumentou
que o CC não faz qualquer alusão aos santos como pessoas naturais ou
jurídicas dotadas de capacidade civil. “Não há como pleitear direito de
uma figura que não é reconhecida no ordenamento jurídico”, afirmou, ao
classificar o santo como “absolutamente incapaz”. E completou, afirmando que “ainda
que se pudesse incluir os santos no rol das pessoas capazes, não existe
nos autos qualquer autorização legal para que a recorrida represente o
aludido santo”.
Outra alegação contra a propriedade do santo afirmou que o título de transferência da propriedade ao santo
seria nulo porque não observou a forma prescrita nos artigos 166 do CC e 176 da Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos).
Decisão do STJ
Para
o relator do recurso, ministro João Otávio de Noronha, a regra do
artigo 112 do CC autoriza a compreensão de que “quem doa ao santo está,
na realidade, doando à igreja”. E de acordo com o artigo 393 do Código Canônico, “em todos os negócios jurídicos da diocese, é o bispo diocesano quem a representa”.
Noronha
destacou que a Lei de Registros Públicos, editada em 1973, não se
aplica a fatos passados, ocorridos em 1930, ano do registro da
propriedade. Além disso, o acolhimento do pedido dos recorrentes geraria
uma situação que o relator classificou como curiosa: “Se,
eventualmente, fosse declarada a nulidade do título aquisitivo da área
registrada em nome do santo São Sebastião, todos os registros
subsequentes seriam atingidos, inclusive o dos recorrentes, uma vez que a
área retificanda tem origem na própria fazenda Pouso Alegre, outrora
pertencente ao santo.”
O
ministro observou ainda que ficou demonstrada no processo a falta de
citação de alguns vizinhos quando foi proposta a ação de retificação de
área, “circunstância suficiente para a declaração de procedência do
pedido de nulidade”.
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