Confissão espontânea atenua a pena - novo enunciado da Súmula do STJ

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

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“Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal.”

Esse é o Enunciado 545 do Superior Tribunal de Justiça que acaba de ser publicado. 
Este Enunciado que, à primeira vista pode ser visto como desnecessário, tendo em vista os termos e a clareza do dispositivo da lei penal, é importante para dirimir de uma vez por todas a velha discussão acerca da possibilidade da diminuição da pena aquém do mínimo. Este novo Enunciado “revoga” o anterior (o de nº. 231), que feria o princípio constitucional da individualização da pena, previsto no art. ., XLVI, da Constituição da República. Segundo este Verbete, agora superado, “a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.”Ora, se há uma nova norma jurídica estabelecendo peremptoriamente que o réu“fará jus” (ou seja, terá direito) a esta atenuante, conclui-se que, efetivamente, a confissão sempre diminuirá a sanção penal, tal como, aliás, estabelece o caput do art. 65 do Código Penal.
A propósito, Luiz Luisi, escreveu que
“o processo de individualização da pena se desenvolve em três momentos complementares: o legislativo, o judicial, e o executório ou administrativo. Tendo presente as nuanças da espécie concreta e uma variedade de fatores que são especificamente previstas pela lei penal, o juiz vai fixar qual das penas é aplicável, se previstas alternativamente, e acertar o seu quantitativo entre o máximo e o mínimo fixado para o tipo realizado, e inclusive determinar o modo de sua execução.”
Aplicada a sanção penal pela individualização judiciária, a mesma vai ser efetivamente concretizada com sua execução. Esta fase da individualização da pena tem sido chamada individualização administrativa. Outros preferem chamá-la de individualização executória. Esta denominação parece mais adequada, pois se trata de matéria regida pelo princípio da legalidade e de competência da autoridade judiciária, e que implica inclusive o exercício de funções marcadamente jurisdicionais.
”(…) “Relevante, todavia no tratamento penitenciário em que consiste a individualização da sanção penal são os objetivos que com ela se pretendem alcançar. Diferente será este tratamento se ao invés de se enfatizar os aspectos retributivos e aflitivos da pena e sua função intimidatória, se por como finalidade principal da sanção penal o seu aspecto de ressocialização. E, vice-versa. De outro lado se revela atuante o subjetivismo criminológico, posto que na individualização judiciária, e na executória, o concreto da pessoa do delinqüente tem importância fundamental na sanção efetivamente aplicada e no seu modo de execução.” [1]
E não se diga que, usando o mesmo raciocínio, estaríamos concordando com a aplicação de agravantes para aumentar a pena além do máximo legal, já que também consta do art. 61 do Código Penal (quando a lei elenca as circunstâncias que agravam a pena), o vocábulo “sempre”. Tal afirmativa soa estranho à luz do Princípio do Favor Rei ou Princípio do Favor Libertatis. Tal princípio deve ser observado em toda e qualquer interpretação das normas penais.
Lembro, com Giuseppe Bettiol, que em uma
“determinada óptica, o princípio do favor rei é o princípio base de toda a legislação penal de um Estado inspirado, na sua vida política e no seu ordenamento jurídico, por um critério superior de liberdade. Não há, efetivamente, Estado autenticamente livre e democrático em que tal princípio não encontre acolhimento. É uma constante das articulações jurídicas de semelhante Estado, um empenho noreconhecimento da liberdade e autonomia da pessoa humana. No conflito entre o jus puniendi do Estado por um lado e o jus libertatis do arguido por outro, a balança deve inclinar-se a favor deste último se se quer assistir ao triunfo da liberdade.” [4]
Ademais, como o Enunciado não distinguiu e, evidentemente, o intérprete e o julgador não poderão fazê-lo (ainda mais contra o réu), a confissão imporá a atenuação da pena ainda que tenha sido feita na fase da investigação preliminar (ou seja, extrajudicialmente). Neste sentido, veja-se o que ficou consignado no julgamento do Habeas Corpus nº. 91654, pelo Supremo Tribunal Federal, cujo relator foi o Ministro Carlos Ayres Britto, quando se afirmou que “em momento algum o réu ofereceu versão fantasiosa ou apresentou versão que dificultasse curso do processo”. Neste caso, “o acusado confessou com detalhes, esclarecendo tempo, modo e lugar, inclusive a participação dos demais acusados e as provas confirmaram o testemunho inicial do réu”, disse o Ministro.
Para o relator, a confissão do réu ajudou, sim, a formar a convicção dos julgadores, uma vez que ajudou na investigação policial, por narrar detalhadamente toda a empreitada. O entendimento de que a confissão só é capaz de reduzir a pena se for base da condenação, é inviável, frisou o Ministro, uma vez que o sistema jurídico brasileiro impede condenação fundamentada apenas na confissão do acusado. “O valor probatório da confissão deve ser confrontado com provas periciais e outras provas colhidas nos autos”, esclareceu o relator, que votou pela concessão da ordem. Outrossim, ainda que parcial, a confissão não pode ser ignorada como atenuante.
Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça ao conceder Habeas Corpus para reduzir a pena de um réu condenado por roubo de celular no Rio de Janeiro. Seguindo o voto do relator, Ministro Rogerio Schietti Cruz, a 6ª. Turma entendeu que se houve confissão (total ou parcial, qualificada ou não), e se isso foi considerado pelo juiz para embasar a condenação, a atenuante deve ser usada no cálculo da pena. No caso, o réu foi condenado a quatro anos e oito meses de prisão, em regime inicial fechado. O juiz não considerou a confissão porque o réu teria apenas admitido que “pediu” o telefone à vítima, sem ameaçá-la, dizendo a frase “perdeu o telefone” — gíria utilizada em roubos. No entanto, essa informação ajudou a condená-lo. A defesa apelou ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, onde conseguiu o reconhecimento da tentativa, fixando-se a pena em 3 anos, 1 mês e 10 dias.
Segundo o Ministro Schietti, o Superior Tribunal de Justiça entende que, se a confissão do acusado foi utilizada para corroborar as provas e fundamentar a condenação, deve incidir a atenuante prevista no artigo 65, inciso IIId, doCódigo Penal, “sendo irrelevante o fato de a confissão ter sido espontânea ou não, total ou parcial, ou mesmo que tenha havido posterior retratação”. O relator verificou que a confissão contribuiu para a comprovação da autoria do roubo e que o benefício da atenuante foi afastado porque, embora o acusado tenha confirmado a subtração do celular, ele negou ter feito ameaça à vítima. (Habeas Corpus nº. 282.572).
No mesmo sentido: Habeas Corpus nº. 99436, Habeas Corpus nº. 69479 (ambos do Supremo Tribunal Federal) e o Habeas Corpus nº. 202.394/RJ (do Superior Tribunal de Justiça). Por fim, uma última ressalva: não concordo com o novo Verbete no que toca à exigência, para o reconhecimento da atenuante genérica, de que a confissão tenha sido utilizada para a formação do convencimento do julgador, pois “confissão é confissão”, não importa se o julgador a tenha ou não valorado como prova no julgamento do caso penal. Se não se quer aplicar a atenuante genérica prevista no art. 65 do Código Penal, por amor ao Enunciado (e a um positivismo absurdo e do século passado), que se aplique então o disposto no art. 66, atenuando-se obrigatoriamente a pena.
Procurador de Justiça - MP/BA e Professor de Processo Penal
 

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