Vaquejada: até que ponto a cultura se sobrepõe à crueldade?

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

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Por Camila Neiva Almino
O Supremo Tribunal Federal, no dia 06 de outubro do corrente ano, decidiu pela inconstitucionalidade de lei cearense (Lei n. 15.299/2013) que regulamentava a prática de vaquejada, referente à ADI 4983.
A discussão lastreou-se no conflito de normas constitucionais, quais sejam o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o direito às manifestações culturais como expressão da pluralidade, estatuídas nos artigos 225§ 1ºVII e 215, da Carta Magna, respectivamente.

É sabido que a vaquejada é considerada uma prática esportiva e inerente à cultura nordestina, constituindo-se quando dois vaqueiros, montados em cavalos diversos, tentam derrubar o touro, puxando-o pelo rabo.
Pelo próprio conceito da atividade, explícitos se revelam os maus tratos aos animais envolvidos (aos cavalos e, principalmente, ao touro). O rabo do touro sempre sofre uma tração forçada com o propósito de ser derrubado e dominado. Laudos técnicos evidenciam consequências de diversas gravidades, como sofrimento físico e mental, muitas vezes a cauda é arrancada ou, no mínimo, sofre algum tipo de lesão, o que compromete os nervos e a medula espinhal do bovino, além de fraturas nas patas, ruptura de vasos sanguíneos e de intenso estresse.
Ainda, não se deve olvidar que na prática da vaquejada, o touro é mantido enclausurado, sofrendo intenso açoitamento com a finalidade de sair em correria no momento da abertura do portão.
Torna-se, destarte, inquestionável a tamanha crueldade a que são submetidos os bovinos envolvidos. Porém, mesmo diante de tal visibilidade, muitos ainda tendem a sustentar que a proibição da vaquejada seria um atentado ao direito da manifestação cultural e, consequentemente, ao patrimônio histórico da sociedade nordestina.
Para superação de tal controvérsia, utilizou o Supremo a técnica da ponderação entre os direitos constitucionais do meio ambiente e da manifestação da cultura. Fato é que a prática da vaquejada, apesar de ter seu valor cultural inerente, sempre expõe os animais envolvidos a uma imensurável crueldade.
Nesse sentido, o artigo 225 da Constituição Federal impõe a proteção da fauna como forma de se atingir um meio ambiente equilibrado, sendo este um direito fundamental de terceira geração, atrelado à solidariedade, como um direito transindividual que tem seu escopo na proteção do próprio ser humano.
Ou seja, é dever da coletividade defender e preservar o meio ambiente para a presente e as futuras gerações, de maneira tal que quando houver conflito de direitos, deve-se realizar a ponderação a fim de se ter maior preocupação com a proteção ambiental, mantendo-se, somente assim, uma vida saudável para a sociedade atual e as vindouras, observando a relação existente entre a proteção do meio ambiente e a vida ecologicamente equilibrada do homem.
E mais, deve-se haver a incidência constante do princípio da precaução atrelado à proteção do ambiente, desprezando-se qualquer tipo de maus tratos aos animais.
Revela-se, assim, a vaquejada um espetáculo de entretenimento por meio de tortura aos animais, tendo a crueldade sempre intrínseca à esta prática (inimaginável a vaquejada sem quaisquer danos aos bovinos envolvidos), o que, por si só, impossibilita a prevalência da manifestação cultural sobre a proteção da fauna e do meio ambiente.
Não se pode tutelar, portanto, a prática da crueldade contra animais com a justificativa única do valor cultural. Não é razão suficiente o mero entretém das pessoas para legitimar as inúmeros atrocidades e sofrimentos implicados aos bovinos envolvidos na vaquejada. Esta não existe sem a crueldade, a qual não possui na Constituição Federal seu amparo, muito pelo contrário, tem seu repúdio expresso.

 

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