O parentesco nos tribunais

domingo, 11 de agosto de 2013

O parentesco nos tribunais
Autor(a): Joaquim Falcão
Mestre em direito pela Universidade Harvard e doutor em educação pela Universidade de Genebra, é diretor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro.

Parente de ministro do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou de desembargador pode se candidatar a desembargador em tribunal estadual ou federal? Na vaga indicada pela Ordem dos Advogados do Brasil, não. A Constituição proíbe. Basta uma analogia com o Poder Executivo. 


A Constituição torna inelegíveis no território de jurisdição do titular cônjuge, parentes consanguíneos ou afins até segundo grau ou por adoção do presidente da República, governador ou prefeito. Por simples razão. Trata-se de impedir que a autoridade então no poder caia na tentação do afeto e desequilibre o processo eleitoral em favor do parente candidato. 

Assim como esses parentes são inelegíveis como proteção à competição eleitoral, parente de ministro ou desembargador é também inelegível como proteção à impessoalidade e independência do Judiciário. 

Quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) acabou com o nepotismo, com o apoio do Supremo, usou critério simples para moralizar a administração judicial. Qual? 

Se a nomeação para cargo é feita por critérios objetivos, por concursos, parente pode ocupar cargo. Pois o fator parentesco não influencia o concurso. Mas se é feita por critérios subjetivos, como confiança, parente não pode ocupar cargo. Pois parentesco pode sim influenciar na nomeação. Ou seja, sempre que parentesco é fator que pode influenciar na nomeação, a Constituição exige que seja ele neutralizado. Simples assim. 

Na democracia, proibir todas as formas de nepotismo na escolha dos desembargadores dos tribunais é política de prevenção dos riscos advindos do patrimonialismo familiar. 

A influência do parentesco pode ocorrer de diversas formas. A mais óbvia e direta é quando o candidato a desembargador é filho ou irmão, parente até segundo grau, de quem decide diretamente: do governador que nomeia ou do desembargador que seleciona os candidatos. O risco de influência é grande, donde a proibição. 

A menos óbvia e indireta é quando alguma autoridade judicial pode influenciar quem participa da escolha. Quando por exemplo, o candidato a desembargador é parente de um ministro do STF, de tribunal superior ou mesmo de outro desembargador do próprio tribunal. 

O governador pode ficar constrangido por não nomear parente do ministro que algum dia julgará causas de seu Estado ou de sua pessoa. O desembargador pode ficar constrangido por não incluir na lista de candidatos parente do ministro do STJ que um dia votará sobre sua ascensão profissional. 

Não se trata de afirmar que governadores e magistrados que participam de nomeações cuja subjetividade é grande são influenciáveis. Submeter-se a influências nepóticas não é destino. 

Trata-se de evitar que, sempre que os critérios da escolha não forem auferíveis objetivamente ou o voto não for público e fundamentado, o Judiciário fique desprotegido. É melhor prevenir do que remediar. 

A tentação da influência muita vez é gentil e velada. A moralidade e impessoalidade constitucionais não se dão bem com candidaturas afetivas. 

Proibir essas candidaturas não discrimina negativamente ou ofende direito individual do parente, tem afirmado o STF. Ao contrário. É discriminação democraticamente positiva, necessária para blindar a administração pública de interesses patrimonialistas. 

Não se diminui o ministro ou o parente. Eles não estão em julgamento. É apenas opção institucional democrática. Válida para todos. 

Melhor seria que os parentes de até segundo grau nem sequer expusessem seus familiares autoridades judiciais a essa situação. 

Se querem entrar para a magistratura, entrem por meio do concurso público para juiz.




Fonte: Folha de São Paulo, 06 de agosto de 2013
7/8/2013

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