Decisão
Aquele que reconhece voluntariamente
a paternidade de criança sabendo que não é o pai biológico não tem o direito
subjetivo de propor posteriormente ação de anulação de registro de nascimento,
a não ser que demonstre a ocorrência de vício de consentimento. Essa foi a decisão unânime da Terceira Turma
do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, sob a relatoria da ministra Nancy
Andrighi, acatou os recursos especiais interpostos pela representante da
criança e pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).
O caso
Um homem ajuizou uma
ação anulatória de registro de paternidade, argumentando que registrou a
criança, nascida em 2003, sob enorme pressão psicológica e coação irresistível
imposta pela mãe, embora soubesse que a criança não era seu filho. Ele
sustentou que não se trata de negatória de paternidade, mas de mera anulação de
registro. Seu objetivo era a declaração da inexistência da relação jurídica de
parentesco entre ele e a criança.
Na contestação, a representante da
criança afirma que, ao saber da gravidez, o homem não levantou dúvidas a
respeito da paternidade que lhe foi atribuída, tendo, inclusive, sugerido a
realização do aborto. Diante da decisão da genitora de manter a gravidez, o
homem prestou todo auxílio necessário durante a gestação. A mãe afastou
qualquer possibilidade de coação, afirmando que ele registrou a criança sem
vício de vontade.
Exame de DNA - o laudo do exame de DNA realizado excluiu a paternidade biológica.
Sentença
O pedido formulado pelo homem foi
julgado improcedente sob o fundamento de que “as alegações e provas trazidas
nos autos pelo autor são insuficientes a amparar a desconstituição e/ou
invalidação de seu ato”.
Recurso
O autor recorreu ao Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), que acatou sua apelação sob
o fundamento de que, “sendo negativa a prova pericial consistente no exame de
DNA, o estado de filiação deve ser desconstituído coercitivamente”.
Recurso especial interposto pelo representante do menor e pelo MPDFT –
Fundamento - divergência
jurisprudencial e ofensa ao artigo 1.604 doCódigo
Civil de 2002.
Principais pontos do voto da ministra Nancy Andrighi
·
diretrizes
devem ser muito bem fixadas em processos que lidam com direito de filiação,
para que não haja possibilidade de uma criança ser desamparada por um ser
adulto que a ela não se ligou, verdadeiramente, pelos laços afetivos
supostamente estabelecidos quando do reconhecimento da paternidade.
·
o
julgamento deve ser pautado pela duradoura prevalência dos interesses da
criança, sentimento que deve nortear a condução do processo em que se discute,
de um lado, o direito do pai de negar a paternidade em razão do estabelecimento
da verdade biológica e, de outro, o direito da criança de ter preservado seu
estado de filiação.
·
o ato
só pode ser desfeito quando demonstrado vício de consentimento. Isto é, para
que haja efetiva possibilidade de anulação do registro de nascimento do menor,
é necessária prova robusta no sentido de que o relutante pai foi de fato
induzido a erro, ou ainda, que tenha sido coagido.
·
não há
como desfazer um ato levado a efeito com perfeita demonstração da vontade em
que o próprio recorrido manifestou que sabia perfeitamente não haver vínculo
biológico entre ele e o menor e, mesmo assim, reconheceu-o como seu filho.
·
o
simples receio de ter contra si ajuizada uma ação, possivelmente uma
investigatória de paternidade, não pode, jamais, ser considerado como “coação
irresistível”, conforme alegado pelo pai, que, por sua vez, ajuizou ação para
anular o ato de reconhecimento de filho que praticou espontaneamente.
·
o
julgador deve ter em mente a salvaguarda dos interesses dos pequenos, porque a
ambivalência presente nas recusas de paternidade é particularmente mutilante
para a identidade das crianças, no sentido de tornar, o quanto for possível,
contínuos os vínculos e alicerces na vida em desenvolvimento.
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