"Homicídio sem cadáver": é possível levar a júri e condenar o assassino?

domingo, 21 de agosto de 2011

Muitas pessoas me perguntam como foi possível processar e pronunciar o Bruno (goleiro do Flamengo) se o corpo da vítima nao foi localizado, isto é, trata-se de um "homicídio sem cadaver".
Na verdade, o que as pessoas se interessam em saber é como se pode provar a materialidade do crime se não há prova direta (laudo de necropsia) haja vista a ocultação perfeita do cadáver. 

Antes de tudo, é importante lembrar que a decisão de pronúncia (aquela pela qual o juiz togado decide por submeter o acusado ao Tribunal do Júri) é simples juízo de admissibilidade da acusação, devendo o julgador limitar-se a analisar a existência de prova da materialidade do delito e suficientes indícios de sua autoria. Significa que o juiz não precisa fazer um exame aprofundado da prova pois nos casos de crimes dolosos contra a vida quem deve fazer esse exame sao os sete jurados, os quais sao os juízes de fato, que decidirão a causa.

Recapitulando como ocorre o processamento nos casos de homicidios consumados ou tentados:
1o. - a polícia investiga e o delegado INDICIA o(s) possivel(is) autores do crime;
2o. - com base no inquérito policial, o(a) Promotor(a) DENUNCIA o indiciado ao Juízo competente;
3o. - o Juiz instrui o processo, isto é, recebe a denúncia e a defesa preliminar, designa audiencia para a produção de provas com oitiva de testemunhas, interrogatório do acusado, reconstituição - se for o caso, etc., recebe as alegações finais do Ministério Público e da defesa;
4o. - em seguida, o juiz profere uma sentença que pode ser de: PRONUNCIA, IMPRONUNCIA OU ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA.
             Sentença de pronúncia: reu será julgado pelo Tribunal do Juri;
             Sentença de impronúncia: réu não será julgado pelo Tribunal do Júri;
             Sentença de absolvição sumária: sentença de mérito pela qual o réu é absolvido, isto é, foi inocentado da acusação. .

A decisão de pronúncia é interlocutória, isto é, não é decisão de mérito, mas sim de caráter processual. Ela encerra a primeira fase dos processos de competência do Tribunal do Júri.

Há quem entenda que, nos casos de homicídio em que o objeto material (cadáver) jamais foi localizado, é imperativa a decisão de impronúncia, porque, sem o exame de corpo de delito direto (exame necropsia), não foi comprovada a existência do crime. Mas essa não é a melhor solução legal. Vejamos:

O artigo 413 do Código de Processo Penal diz que:
"Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação."

A materialidade de um homicídio é provada, em regra, com o laudo pericial  (necropsia), mas há outros meios de provas.
Cezar Roberto Bittencourt ( Tratado de Direito Penal) leciona que existem "três formas de comprovar a materialidade dos crimes que deixam vestígios: exame de corpo de delito direto, exame de corpo de delito indireto e prova testemunhal".

O Código de Processo Penal admite provar-se a materialidade com fulcro em prova testemunhal:
"Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.


 Julio Fabbrini Mirabete afirmava que "a prova do homicídio é fornecida pelo laudo de exame de corpo de delito necroscópico. Quando não é possível o exame direto (o corpo da vítima não é encontrado ou desaparece) permite-se a constituição do corpo de delito indireto por testemunhas, por exemplo, não o suprindo a simples confissão do agente".

Portanto, nos casos em que for impossivel realizar o exame de corpo de delito porque não foi localizado o corpo da vítima, comprova-se a existência do crime pela prova testemunhal.

O Supremo Tribunal Federal entende que, ausentes o corpo de delito, mas havendo indícios veementes da existência do crime e da autoria, as dúvidas quanto à certeza do crime e da autoria deverão ser dirimidas durante o julgamento pelo Tribunal do Júri:
"PENAL. PROCESSUAL PENAL. "HABEAS CORPUS". SENTENÇA DE PRONÚNCIA. TRIBUNAL DO JÚRI. CORPO DE DELITO: AUSÊNCIA. INDÍCIOS VEEMENTES DA EXISTÊNCIA DO CRIME E DA AUTORIA. CPP, art.408.
I. - Por ser a pronúncia mero juízo de admissibilidade da acusação, não é necessária prova incontroversa do crime, para que o réu seja pronunciado. As dúvidas quanto à certeza do crime e da autoria deverão ser dirimidas durante o julgamento pelo Tribunal do Júri. Precedentes do STF. II. – H.C. indeferido".
III. (HC n° 73522/MG – STF - DJ 26/04/96) (grifou-se)

Conclusão:  a lei permite e a jurisprudencia apoia o processamento de ação penal, a pronunciação (pelo magistrado) e até mesmo a condenação (pelo Tribunal do Júri) de acusado pela prática de crime de homicídio mesmo sem o laudo de necropsia e sem localizar o corpo da vítima.

1 comentários:

Marcelo Cruz disse...

muito bom esse texto professora, muito bem explicativo sobre o assunto, com certeza pude sanar várias dúvidas. parabéns...

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