Por Edissa Outeiro
Muito da dificuldade em lidar com questões relacionadas a atentados terroristas reside na inexistência de uma definição oficial na comunidade internacional do que abrange o termo “terrorismo”. A exemplo, os crimes de guerra, crimes contra a humanidade e o genocídio foram delineados no Estatuto de Roma e seu julgamento é competência da Corte Penal Internacional; tal Estatuto tem 139 signatários, dos quais 111 já o ratificaram, o que lhe dá total pujança no quadro internacional.
Os atos de terrorismo estão comumente associados ao emprego de violência em ataques a instalações de um governo ou de civis com o intuito de causar efeito psicológico (medo, terror) em toda a sociedade do Estado atingido. Como essa tem sido uma ferramenta mais recentemente (em comparação a crimes internacionais identificados em séculos passados, já que a palavra terrorismo só entrou em uso há algumas décadas) utilizada em conflitos, não se chegou a um consenso sobre sua definição.
Deve ficar claro que o que se pretende não é uma conceituação precisa, já que seria impossível definir todas as formas com que a violência pode vir a ser usada para levar um medo generalizado à população, mas sim chegar a uma tipificação penal que permita o correto julgamento e a possível condenação e sanção, tal qual foram esboçados outros tipos penais na ordem internacional. A importância dessa uniformização no cenário mundial é tamanha haja vista que em um crime envolvendo mais de um país enfrentará sempre a inequalidade de ordenamentos jurídicos internos.
Isso não significa que os Estados são impotentes, do ponto de vista do Direito Internacional, ao sofrer um ataque terrorista. Pelo contrário, a Carta da ONU (art. 51) permite a legítima defesa contra ataque armado a membro das Nações Unidas, mas há uma série de requisitos para que se configure o direito a tal defesa, entre os quais estão os preceitos de proporcionalidade, necessidade e imediatismo, inerentes ao instituto “legítima defesa”.
Nesse sentido, o assassínio de Osama Bin Laden era no mínimo desnecessário, falaciosamente proporcional e precariamente imediato. Aliás, desde o governo Bush, os EUA usaram de uma “inovadora” interpretação do artigo 51 da Carta das Nações Unidas, àquele tempo para usar de uma legítima defesa “preventiva” – ante a suposta ameaça iraquiana de armas de destruição em massa –, que é incabível visto a redação do citado dispositivo demandar que a resposta seja dada à ocorrência (e não “ameaça”) de um ataque armado, portanto, deveria servir à remediação.
O que se tem hoje, já representando um relevante avanço para o Direito Internacional, são convenções regionais e acordos bilaterais que tratam de atos terroristas pontuais e extradição, como a Convenção Interamericana contra o Terrorismo, e a Convenção Internacional para Supressão do Financiamento do Terrorismo, 1997, de lavra das Nações Unidas, mas que só é obrigatória aos membros signatários da convenção em si, e não a todos os membros da Organização.
A mais, a própria extradição de terroristas gera por si só conflitos, no que se refere à aplicação de pena de morte, preconizada por diversos Estados soberanos e repudiada por outros tantos, inclusive organismos internacionais influentes, como a Anistia Internacional, o Vaticano e a própria ONU. No caso de Osama bin Laden, não houve sequer julgamento, o que constitui total desrespeito não só aos Direitos Humanos, mas à noção básica do Direito enquanto ciência.
Na ordem internacional, os EUA ainda mantêm posição hegemônica, por serem uma grande economia e, consequentemente, exercerem ingerência política mundial. Ademais, a ONU tem pouco poder contra os EUA, porque este é o país que mais financia suas atividades e ainda é um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, cúpula responsável por grandes decisões, especialmente as relativas ao proveito de força armada, e inclusive por fazer o crivo do direito à legítima defesa citado acima.
Por isso, se faz necessário instituir regras mínimas internacionais de maior coerção, que criem obrigações não só aos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, mas também a essas superpotências. Diante desse panorama se faz mister a discussão do Direito Internacional por sobre a soberania dos Estados.
Finalmente, a atitude norte-americana pode instigar a formação de novos grupos terroristas e fortalecimento dos já existentes (como a Al-Qaeda), não apenas porque seu fundamentalismo tem comumente servido de justificativa para retaliação, mas porque a conduta de seu opositor é incoerente com as premissas que defende.
E, se para desmantelar o fundamentalismo que usa de violência (que, ressalte-se, não é abraçado pelo islã como um todo), o governo estadunidense tira a vida do famigerado líder e outros membros da maior estrutura internacional terrorista, além de prender suspeitos mulçumanos e matar civis inocentes para atingir tais objetivos, não teria os EUA incorrido na descrição “emprego de violência em ataques a instalações de um governo ou de civis, em que o intuito é causar efeito psicológico (medo, terror) em toda a sociedade do Estado atingido”?
Édissa Outeiro é advogada e tem pós-graduada em Direito Internacional pela PUC-SP.
Texto publicado no blog "filósofo grego"
Texto publicado no blog "filósofo grego"
1 comentários:
"O impossível existe até quando alguém duvide dele e prove o contrário."
[ Albert Einstein ]
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