Lei da Ficha Limpa - entenda o cerne da discussão de 2012

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Por Ana Maria
Pretendo tratar - de forma bem resumida, simplificada e fazendo um grande recorte - acerca do que foi discutido pelo Supremo Tribunal Federal em relação à constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa.

O que a Lei da Ficha Limpa determina:
  • a inelegibilidade por oito anos de políticos condenados criminalmente em segunda instância, dos cassados ou dos que tenham renunciado para evitar a cassação.
A Lei da Ficha Limpa foi proposta por iniciativa popular de 1,3 milhão de assinaturas (explico os requisitos para que o povo apresente proposta de lei na próxima postagem) e aprovada em junho de 2010, quando iniciava-se o processo eleitoral das eleições gerais, que culminou com a eleição de Jader Barbalho e de outros "fichas-sujas" em todo o país.Por conta do momento político, era esperado que a lei levantasse controvérsias sobre quem estaria apto a se candidatar e, portanto, a ser eleito naquele ano, uma vez que a Constituição prescreve que leis que alterem regras eleitorais só podem ser aplicadas nos pleitos que ocorram um ano após a data de sua vigência (art. 16).

A história das acaloradas discussões, em apoio e contra a validade da lei para o pleito de 2010, nós, do Pará, sabemos de sobra, assim como testemunhamos o desencanto de muitos e a alegria dos "fichas-sujas" eleitos quando, em 2011, o Ministro Fux - recem chegado na Corte, desempatou a discussao, votando pela  inaplicabilidade da Lei da Ficha Limpa para a disputa política de 2010. 

Ocorre que a decisão do STF de 2011 nao esgotou toda a matéria arguída pelos que questionavam a lei. O principal aspecto que ficou pendente de decisão dizia respeito à constitucionalidade da norma que torna inelegíveis os condenados em segunda instância.

Condenação em segunda instância - entenda como funciona o sistema 
Existem duas instâncias: a primeira instância (ou primeiro grau), que funciona com o juiz singular, que julga sozinho. Da decisão dele cabe recurso para a segunda instância ou segundo grau, que é o tribunal respectivo. A decisão do tribunal é dada por um colegiado de desembargadores.
Se um juiz de qualquer comarca do Pará condena um réu em processo criminal, cabe recurso ao Tribunal de Justiça paraense (TJ-PA). Se o reu recorrer em busca da reforma da decisão, enquanto o TJ nao julgar, a sentença nao transita em julgado. Significa que aquela decisao de primeiro grau pode ser reformada, mudada, no todo ou em parte, pela segunda instância, ou segundo grau, que nada mais é do que o Tribunal de Justiça do estado.
Se a sentença condenatória for do juiz eleitoral de qualquer zona do nosso Estado (cassação por compra de votos e similares), o cassado recorrerá ao Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Pará (TRE-PA). Se o TJ-PA ou o TRE-PA confirmar a condenação proferida em primeiro grau, isto é, na primeira instância, significa que aquele acusado foi condenado em segunda instância. Neste caso, de acordo com a Lei da Ficha Limpa, ele está inelegível por 8 anos, de forma que, durante esse prazo de oito anos, não poderá se candidatar a nenhum cargo politico.   

Este sistema é o normal, ordinário: garante duas manifestações do Poder Judiciário sobre a mesma matéria.  Por que duas manifestações? a primeira é a do juiz de direito, em primeira instância; a segunda, do tribunal, julgamento de um colegiado, em segunda instância.

Ocorre que, em alguns casos, dependendo da matéria arguída, a Constituição permite recorrer-se ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal. Então, se um condenado em segunda instância interpuser recurso a uma dessas cortes dentro do prazo legal, a decisão de segunda instância não transita em julgado, isto é, permanece passível de ser modificada. Se pode ser modificada, significa que ainda subsiste para aquele condenado em duas instâncias o princípio constitucional da presunção da inocência. Ele pode vir a ser absolvido, com a reforma da decisão de segundo grau. 

Diante de tal possibilidade, os defensores da impunidade argumentam que, se a Justiça ainda não deu a última palavra, a Lei da Ficha Limpa fere o princípio da presunção de inocência ao excluir da possibilidade de concorrer a cargos políticos aquele que - condenado em segunda instância - ainda tem recurso pendente de decisao (quer pelo STJ, quer pelo STF). Em vista disso, a lei - dizem os que pensam desta forma - somente seria constitucional se ela restringisse a proibição às condenações já transitadas em julgado, ou seja, aos casos que já esgotaram as instâncias recursais e, por isso, a condenação/cassação não está mais sujeita a modificação. 

O Supremo Tribunal Federal decidiu que a Lei da Ficha Limpa é constitucional. Sete ministros, contra quatro, votaram nesse sentido.

Quando às condenações/cassações/renúncia, seis ministros entenderam que as regras se estendem aos que foram condenados ou que renunciaram para evitar cassação antes de 2010.
Em relação a esse aspecto, a questão discutida é se a Lei da Ficha Limpa impõe sanções ou apenas condições de elegibilidade. Se a inteligência do dispositivo for no sentido da primeira (impõe sanções), tratar-se-ia de uma ofensa contra direitos individuais (do possível candidato). Se entender-se que é a segunda, estamos diante da tutela sobre um bem maior, que é o interesse difuso da sociedade em aperfeiçoar sua própria representação nos órgãos de poder.

As evidências de tantos políticos que usam da vida pública como plataforma para o enriquecimento ilícito levam a sociedade brasileira a passar por um momento de anseio por moralidade na política. A quantidade de detentores de cargos do legislativo e executivo que - processados - ficam impunes (por diversos motivos, dentre os quais a demora nos julgamentos dos processos em todas as instâncias do Poder Judiciário) alcançou proporções jamais "vista na história deste país". No entanto, deve-se estar atento para uma questão de relevãncia: o laivo paternalista que sustenta a Lei da Ficha Limpa - no sentido de que ela tem a pretenção de atuar preventivamente, impedindo que o eleitor faça uma escolha duvidosa, isto é, vote em candidatos que possuem um histórico de não confiabilidade em face de seus apontamentos desabonadores na Justiça -não é garantia de que vamos ter um progresso real pois a má politica não se faz só de criminosos. Há os desidiosos, os incompetentes, os sem condições intelectuais para realizarem um trabalho à altura da complexidade do cargo que conquistaram. Basta ver o caos das gestões da maioria das cidades. 

Referências: Folha de São Paulo, 18 de fevereiro de 2012

1 comentários:

Anônimo disse...

"A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis consentem."

[ Montesquieu ]

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