Advogado da CPT analisa as políticas de reforma agrária do governo Lula e diz que resultado foi pífio. Para ele, camponeses sem terra, agricultores familiares, povos indígenas e comunidades quilombolas foram excluídos das políticas positivas do governo Lula, responsáveis por sua alta popularidade. E mais, a
a média de assentamentos por ano de Lula foi inferior à média do governo FHC.
A reforma agrária no governo Lula.
A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, com o lema “a esperança venceu o medo”, renovou os ânimos de milhões de pessoas que viviam em situação de pobreza no Brasil. No meio rural, onde existiam aproximadamente 5 milhões de famílias sem terras que lutavam para serem inseridas no programa de reforma agrária, as expectativas foram ainda maiores. Afinal, Lula foi um retirante nordestino e líder sindical que conhecia bem a realidade do campo brasileiro. A certeza das famílias sem terra e dos movimentos sociais que atuam no campo era alimentada pelas palavras do próprio Lula que, em suas campanhas para presidente, afirmara que, se fosse eleito, faria a reforma agrária “com uma canetada só”.
A resposta das famílias sem terra à expectativa foi imediata: nos primeiros meses de 2003, milhares de famílias de trabalhadores rurais lotaram os acampamentos à beira das estradas ou nas imediações dos latifúndios a espera da tão sonhada reforma agrária. De acordo com monitoramento feito pela Comissão Pastoral da Terra- CPT, naquele ano, 124.634 famílias passaram a residir debaixo da “lona preta” em acampamentos e/ou ocupações, num total de 623.170 pessoas. O total de conflitos atingiu um patamar nunca antes visto: 1.690 conflitos envolvendo mais de um milhão de pessoas.
Animados com os ventos da esperança, os movimentos sociais do campo também se articularam e exigiram a elaboração de um Plano Nacional de Reforma Agrária. Após longo estudo e discussão o plano ficou pronto. Previa-se assentar um milhão de famílias nos primeiros 4 anos de governo. No entanto, ao ser apresentado ao presidente veio o primeiro choque: o plano foi rejeitado e colocado na gaveta. A esperança anunciada aos milhares de sem terras teve aí seu início de frustração.
Nos anos seguintes de governo, as grandes questões levantadas pelos movimentos sociais que poderiam alterar a injusta estrutura fundiária brasileira foram ficando pelo caminho. Não houve comprometimento do governo, como por exemplo, com a revogação da Medida Provisória nº 2.183/56, editada por Fernando Henrique Cardoso (FHC), que proibia a vistoria do INCRA em imóveis ocupados por sem terras; com a proposta de limite da propriedade da terra no Brasil; com a mudança nos índices de produtividade para as grandes propriedades; com a proposta de emenda constitucional que autoriza o confisco das propriedades flagradas com trabalho escravo, etc.
Em relação ao assentamento de famílias sem terra, a frustração não podia ser maior. Mesmo reassentando mais de uma família em um mesmo lote ou transformando posseiros de terras devolutas, na Amazônia, em assentados, a média de assentamentos por ano foi irrisória, inferior a média do governo FHC, tradicional aliado dos ruralistas e inimigo declarado dos sem terras. No penúltimo ano de governo Lula foram “assentadas” pouco mais de 50 mil famílias. No último ano, não chegou a 30 mil. Além de serem irrisórios o número de assentados, cerca de 70% deles, ocorreram na região de fronteira da Amazônia, prova de que a política de reforma agrária foi marcada por dois princípios básicos: não fazê-la nas áreas de domínio direto do agronegócio e, fazê-la nas áreas onde ela pudesse ajudar na expansão da fronteira agrícola, acoplada à expansão do agronegócio.
Milhares de sem terras que, no início do governo Lula, se mudaram para debaixo da lona preta em busca de uma terra para morar com dignidade e garantir a sobrevivência de sua família, entraram no governo de Dilma ainda esperando uma solução. É lamentável que o Governo Lula, nesses oito anos, tenha relegado essa pauta tão importante aos trabalhadores rurais do Brasil à periferia das políticas públicas e ignorado que a agricultura familiar e camponesa é responsável pela grande produção de alimentos, do abastecimento do mercado interno e pelo emprego de mais de 85% da mão-de-obra do campo, como divulgado pelo último Censo agropecuário de 2006.
Os povos indígenas e as comunidades remanescentes de quilombo também não têm o que comemorar. Em seus 8 anos de governo, Lula homologou apenas 78 terras indígenas, menos que no governo FHC que homologou 146. Das 3.524 comunidades quilombolas registradas pelo Governo Federal, o Governo Lula chegou ao seu último ano de mandato emitindo apenas 11 títulos de propriedade dessas comunidades. O governo “popular” de Lula foi incapaz de rever a dívida história com os povos indígenas e com as comunidades remanescentes de quilombo.
Por outro lado, o setor ruralista não tem nada a reclamar desses 8 anos de Lula no poder. O governo abriu os cofres públicos para investimentos no setor; manteve a MP que proibia a vistoria em imóveis ocupados por famílias sem terra; aprovou a lei dos transgênicos; aprovou a lei de concessão de florestas públicas, e, “numa só canetada” editou a MP 458 que autorizou a legalização das terras griladas na Amazônia em nome dos grileiros. Os ruralistas podem festejar, pois o governo Lula fez uma opção preferencial pelo agronegócio.
Mesmo que reconheçamos os entraves impostos pelo Poder Judiciário para impedir a desapropriação de muitos imóveis e as investidas da bancada ruralista por meio das Comissões Parlamentar Mista de Inquéritos (CPMIs) visando impedir a organização dos trabalhadores rurais, isso não explica o resultado pífio do governo em relação à reforma agrária. Os camponeses sem terra, os agricultores familiares, os povos indígenas e as comunidades quilombolas não foram incluídos nas várias políticas positivas do governo Lula, responsáveis por sua alta popularidade. Mais uma vez ficaram excluídos. Lula ficou devendo. (original sem os grifos).
Marabá, 07 de fevereiro de 2011.
José Batista Afonso.
Advogado da CPT de Marabá.
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