Isto não é Amazônia
As regiões metropolitanas de Belém e Manaus, as duas maiores cidades da Amazônia, se aproximam de dois milhões de habitantes, a capital paraense à frente da amazonense. Com seus cinco municípios, a Grande Belém já está com 2 milhões de moradores. Para Manaus atingir essa marca, falta pouco mais de 200 mil habitantes. As duas cidades ocupam o 9º e o 10º lugares no ranking nacional.
Manaus-AM
Belém do Pará
Com esse tamanho, são cidades grandes em qualquer lugar do mundo. Mais ainda na Europa, cuja urbanização se espraiou muito mais do que no país que adotamos como modelo para quase tudo, os Estados Unidos. Não chegam a duas dezenas as regiões metropolitanas européias com mais de 2 milhões de habitantes. Só um exemplo: com um oitavo da extensão territorial do Brasil, a Itália tem um terço da população brasileira. E sua maior região metropolitana, a capital, Roma, tem 3,4 milhões de habitantes.
Manaus e Belém, somadas, representam quase um quarto de toda a população da Amazônia, que se estende por 60% dos 8,5 milhões de quilômetros quadrados do território nacional. É uma concentração demográfica expressiva. Manaus abriga metade da população do estado do Amazonas, o maior da federação, com seus 1,5 milhão de km2, além de concentrar quase 90% do seu PIB (Produto Interno Bruto). Não há nada igual no Brasil.
O Pará, com seus 1,2 milhão de km² (do tamanho da Colômbia), só é um pouco menor em extensão, mas Belém tem apenas um quarto da população do estado, que, por sua vez, abriga metade da população amazônica, de 15 milhões de habitantes, e não mais que um terço do PIB estadual.
Há outra diferença entre os dois grandes estados. A segunda cidade do Amazonas, depois da capital, é Parintins (onde há a famosa disputa dos bois), com 102 mil habitantes. Segue-lhe Itacoatiara, com 86 mil. A segunda cidade paraense é Ananindeua, que fica no âmbito metropolitano, com 456 mil moradores.
Mas há outras cidades de porte médio à distância de Belém: Santarém (291 mil), Marabá (224 mil), Castanhal (168 mil), Parauapebas, o segundo município que mais exporta no Brasil, por causa do minério de ferro da Serrade Carajás, o melhor do planeta (149 mil), Cametá (120 mil) e Bragança (112 mil).
Por causa da incrível concentração demográfica e econômica em Manaus, o Amazonas pode falar com algum conteúdo de verdade numa agenda verde para o estado. Ao menos enquanto puderem ser contidas as frentes de expansão econômica, que caminham de sul para norte, o espaço dominante ainda é o da floresta. Há a possibilidade, ao menos em tese, de o estado ser inovador na implantação de uma economia florestal, o ideal da utopia amazônica.
No Pará essa linguagem só se mantém por desconsiderar a realidade. O estado é o terceiro alvo de imigrações no Brasil. Elas buscam os locais de implantação de grandes empreendimentos econômicos, como foram a hidrelétrica de Tucuruí e as minas de Carajás, e começa a ser a hidrelétrica de Belo Monte.
Chega gente de todas as partes, mas a maioria não tem qualificação para ser empregada nesses “grandes projetos”. Seu destino acaba sendo as cidades de beira de estrada, a economia informal e a criminalidade. Dos dez municípios mais violentos do Brasil, quatro ficam no Pará, incluindo a capital. A violência é generalizada. O crime se torna um meio de vida. Proliferam os pistoleiros. Um assassinato pode ser encomendo por menos de 100 reais.
Problemas que normalmente seriam considerados rurais se urbanizam. As periferias de Belém e Manaus lembram campos de refugiados: é onde se enquistam os migrantes do campo, que são excluídos do mercado formal urbano. A maior favela horizontal é o Paar, com mais de 150 mil habitantes, na periferia da capital paraense.
Crimes ocorrem ali corriqueiramente. Bandos se formam para agir no centro da cidade, onde moram os “bacanas”, e se esconder em suas tocas. Mas também há bairros mais próximos das áreas enriquecidas nos quais os policiais pensam duas vezes antes de entrar, quando entram por suas vielas e esconderijos. Se puderem, preferirão ficar ao largo.
Crimes ocorrem ali corriqueiramente. Bandos se formam para agir no centro da cidade, onde moram os “bacanas”, e se esconder em suas tocas. Mas também há bairros mais próximos das áreas enriquecidas nos quais os policiais pensam duas vezes antes de entrar, quando entram por suas vielas e esconderijos. Se puderem, preferirão ficar ao largo.
É um processo social complexo e, às vezes, assustador quando rompe as cadeias da segregação. Como aconteceu quando o prefeito de Manaus foi vistoriar uma área periférica onde tinha ocorrido deslizamento de terra e três pessoas morreram. Diante de uma moradora relutante em sair do local, considerado de alto risco, o prefeito reagiu com uma frase que o tornaria tristemente célebre: “Então morra, morra”.
Ao saber que a recalcitrante era paraense, Amazonino Mendes, filho de paraense, completou a fraseologia infeliz: “Então está explicado”. O Pará, terra de imigrantes, começa a se tornar também ponto de fuga, apesar das riquezas que o tornaram o quarto maior exportador do Brasil e o segundo em saldo de divisas,só abaixo de Minas Gerais.
Um bairro de Manaus é praticamente ocupado apenas por paraenses, vítimas de uma disputa bairrista entre os dois estados e do preconceito da terra de adoção, o que até recentemente parecia impensável. São realidades complexas que compõem um conjunto multifacetado do que muitos consideram ser a Amazônia, como se ela fosse una e correspondesse à idéia dos que se proclamam seus intérpretes ou salvadores. Ledo – e amargo – engano.
Lúcio Flávio Pinto é paraense de Santarém; tem 61 anos e é jornalista há 44. Passou por algumas das principais publicações brasileiras, e hoje é editor do Jornal Pessoal, newsletter quinzenal que circula em Belém desde 1987. Já recebeu quatro prêmios Esso e dois Fenaj, além do International Press Freedom Award. Tem mais de 15 livros publicados, a maioria sobre a Amazônia.
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