VIVEMOS UMA CRISE DO AMOR DE MÃE - ESSA É A GRANDE VERDADE QUE NAO DÁ MAIS PARA DEIXAR DE VER

domingo, 13 de maio de 2012

Mensagens, louvores, agradecimentos, emoçoes, alegria sem fim por conta do Dia das Mães. Eu, que sou mãe, filha e irmã dentro de uma família unida e feliz, com dois filhos que me dão tanto carinho quanto respeito e vice-versa, tenho motivos para comemorar e agradecer a Deus. No entanto, se individualmente estou realizada, o mesmo nao ocorre quando se trata de pensar no coletivo, nas crianças e jovens entregues à própria sorte, sem chances de vivenciar seus direitos fundamentais constitucionalmente garantidos.

Nos dias em que todos festejam determinada situaçao (no caso, o amor de mãe) compreendo que é politicamente incorreto discordar sobre o ponto essencial da comemoração, mas nao posso deixar de registrar que, infelizmente, o amor de mãe vive um prolongado momento de crise. Basta pensar no que significam os milhares e milhares de meninos e meninas sem lar, perambulando nas ruas das cidades, cheirando cola, fora da escola, exercendo trabalhos penosos ou degradantes, prostituindo-se, assaltando, matando, morrendo, excluídos e infelizes senão que tais seres humanos em formaçao não tiveram o amor de mae necessário para salvá-los desse destino terrível.

Na experiência como Promotora de Justiça tenho vivenciado situaçoes de flagrante desamor:

  • mães que procuram a Promotoria de Justiça dizendo que querem "entregar" suas filhas (com menos frequencia, meninos) para o Estado alegando que "nao dao mais conta" de criá-las;
  • mães que, ao serem chamadas à responsabilidade porque estão deixando seus filhos sozinhos em casa para irem para festas e bares, argumentam, sem rodeios "doutora, tenho direito de me divertir";
  • mães que entregam seus filhos para as avós criarem;
  • mães que fogem com o companheiro que estuprou violentamente as filhas delas;
  • mães que nunca contaram uma única estorinha infantil para seus filhos dormirem porque, de noite, estao nos bares e festas, ou em frente à televisao - alienadas e distantes de suas missões de mãe;
  • mães que promovem bebedeiras em suas casas, onde seus filhos também habitam;
  • mães que dormem sem saber onde seus filhos estão e sao surpreendidas com um telefonema do delegado de polícia em plena madrugada: "senhora, seu filho está aqui, apreendido. Foi flagrado assaltando a mao armada";
  • màes que são surpreendidas quando - diante da Promotora - seus filhos declaram que sao usuários de estupefacientes desde tenra idade;
  • mães que vêem seus filhos consumindo alcool e nada fazem para livra-los desse mal;
  • mães que entregam suas filhas para a prostituiçao em troca de bebida e de entorpecentes;
  • mães que calam quando o próprio companheiro abusa sexualmente de suas filhas;
  • maes que nunca colocaram limites em seus filhos porque dizer "nao" dá trabalho;
  • maes que mandam seus filhos cada vez mais cedo para a escola, para livrarem-se da responsabilidade de educa-los durante grande parte do dia;
  • maes que se omitem de dar a educaçao social aos filhos e tentam transferir essa missao para a escola, sem perceber que os professores nao podem substituir a familia em diversos aspectos da educaçao integral;
  • maes que acham que substituem carinho, atençao, educaçao por um passeio no shopping center, onde compram para a filha ou o filho a roupa, o calçado, o brinquedo da grife que está na moda;
  • mães que nao ensinam seus filhos a respeitarem as outras pessoas e ainda os defendem em suas posturas mal educadas na escola ou em outros ambientes;
  • maes que nao conseguem perceber quando seus filhos precisam de cuidados psicológicos;
  • maes que aceitam que seus filhos as tratem com brutalidade porque nao conseguiram dar-lhes a educaçao necessária para faze-los respeitá-las;
  • maes que não se interessam pelo rendimento escolar de seus filhos;
  • maes que permitem que seus companheiros espanquem seus filhos;
  • mães que abandonam os filhos à propria sorte.
Enfim, sao tantos itens que poderia elencar que nao caberia neste espaço. E todos traduzem uma realidade: vivemos uma crise fortíssima de desamor materno. Chegamos ao ponto em se propõe que o Estado crie um programa social para ensinar a familia a se comportar como família e a mae a ser verdadeiramente mae.




No entanto, reconheço que depositar na conta da individuação (nas mães) a culpa pela situação por que passam crianças e adolescentes só reforça o véu que encobre um déficit que é da própria sociedade. A crise do amor de mãe, provavelmente, é o reflexo de uma sociedade formada por indivíduos que se lançam cada vez mais no vazio da valorização do eu, da omissão na participação social. Ou seja, de nada vale expiar a culpa pelas violações de direitos das quais são vitimas crianças e jovens por meio da individuação do mal na pessoa da mãe, ou na família. Talvez avancemos mais na busca de solução para tantos casos de mães que querem “entregar” seus filhos para o Estado, ou que colocam a própria diversão acima do direito fundamental dos filhos à proteção integral, ou que rejeitam a responsabilidade pela educação dos filhos, atribuindo essa tarefa unicamente à escola, se virmos esses comportamentos menos como atos de mulheres isoladas e mais como produção do social, coletiva.
O desamor, seria, então, a expressão de uma totalidade também sem amor, egoísta, centrada no eu e omissa em sua responsabilidade social.
Estamos todos contaminados pela epidemia da indiferença em relação à grave questão social que envolve crianças e adolescentes abandonados à própria sorte, vitimas de todos os tipos de violência e carências? Só nos importamos com eles quando nos assaltam – aí os queremos presos, punidos, expurgados? Ou quando estão nos semáforos, pedindo esmola – aí os queremos longe de nossas vistas, em qualquer lugar fora do nosso caminho?
Portanto, penso que o desamor materno evidenciado nos semáforos e praças, na evasão escolar, na escalada das drogas deve ser pensado como um processo que atravessa toda a sociedade, que infelizmente constitui a nossa vida coletiva.
Talvez a melhor proposta seja refletir como e por que desenvolvemos em nosso tecido social esse processo de destruição do maior amor existente na Terra. Não seria o reflexo do esgarçamento dos laços sociais? Que chance estamos oferecendo para essas mulheres que aqui classifiquei tão duramente como desamorosas para com seus filhos?
Portanto, faço a mea culpa e reconheço que apontar o dedo em riste em direção às mães pode ser conveniente para aplacar a consciência de uma sociedade que encontra a felicidade nas sacolas de compra nos shoppings, mas está longe de ser o norte da solução do gravíssimo problema.

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