Grandes obras de exploração de recursos ambientais: transferência bilionária de dinheiro público para os cofres das empreiteiras

segunda-feira, 26 de março de 2012

Por Ana Maria
Figura: prosaepolitica.com.br
A sociedade brasileira recebeu - sem surpresa e sem indignação - a noticia de que o custo da obra de transposição do Rio São Francisco registrou um aumento de R$ 3,4 bilhões, que representa nada menos do que 71% em em relação à previsão inicial, segundo a mais recente estimativa feita pelo Ministério da Integração Nacional. Na verdade, desde o início do governo Dilma Rousseff, o custo total da obra pulou de R$ 4,8 bilhões para R$ 8,2 bilhões. Ademais, a obra deveria ter sido inaugurada em 2010, mas até hoje ainda está muito longe de parar de sangrar o cofre público federal.
 
Quando li a notícia - com imenso desgosto - lembrei logo do quão atual é a letra da música de Chico Buarque: "dormia, a nossa Pátria, mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída, em tenebrosas transações...".
 
Para mim, é bem evidente que esses mega-projetos do governo brasileiro são nada menos do que a "desculpa" para transferir recursos públicos para os bilionários cofres privados das grandes empreiteiras. Na verdade, em toda a América do Sul temos visto ocorrerem grandes obras de exploração de recursos ambientais, sempre em detrimento da população local e com impactos ambientais imensuráveis, mas em benefício das grandes empresas que ganham as licitações para as mega-obras, empreiteiras de capital que sequer tem pátria (se tem, não é a nossa). Portanto, qualquer um que tenha inteligencia mediana percebe que as grandes obras públicas configuram, hoje, a forma “legal” (ainda que ilegítima) de transferir recursos públicos para as contas das grandes empresas privadas mundiais. É por isso que temos visto o governo "empurrar goela abaixo da sociedade brasileira" a aprovação de mega-projetos que envolvem bens naturais mesmo que em flagrante violação das determinações da Constituição e das leis infraconstitucionais que tratam do meio ambiente.

Enquanto isso, em todo o terceiro mundo a miséria se impõe. Mais de oitocentos milhoes de pessoas não tem acesso à água potável. Milhares comercializam suas córneas, seus rins, pedaços de seus fígados em troca de "vinténs" com os quais garantem a comida do dia seguinte. E ficam para sempre inválidos, dependentes da ação do Estadopara sobreviver - desse mesmo Estado que opera voltado para os grandes interesses econômicos e ignora os pobres.
Vivemos uma crise grave em relação ao desvirtuamento da ação estatal e da representatividade da democracia e nao há luz no fim do túnel. A sociedade brasileira, ou dos demais países afetados por esse fenômeno que recrudesceu sob a ideologia do neoliberalismo, não manifesta indícios de que possa se insurgir contra tal estado de coisa pois, para tanto, seria necessário que um elevadíssimo número de cidadãos compreendessem exatamente o que representam as grandes obras governamentais que já começam com um custo altíssimo e finalizam (quando finalizam) com um custo 100% maior: de transferir recursos públicos para as bilionárias empresas privadas que atuam no segmento de construção pesada e de exploração de recursos naturais.
Como vamos lograr esse grau de conscientização num país com IDH baixíssimo e cuja classe média - única em plenas condições de se insurgir contra a falácia governamental - foi totalmente seduzida pelo consumo?

No Brasil e em todo o mundo capitalista, desde a segunda metade do Século XX, forjou-se uma classe média significativa, que se cala diante da pobreza da maior parte de seus concidadãos porque teve uma melhoria econômica de vida. No entanto, essa mesma classe média vive apavorada pelo avanço da criminalidade, que ela erroneamente atribui à falta de punição dos pobres que se transformam em bandidos, sem compreender que os mais brutais delinquentes sao os que deveriam combater a pobreza com a implantação de um sistema de divisão de riquezas naturais mais humanitário e equitativo. 
É notório que os governos dos diversos Estados do planeta mostram-se omissos em suas obrigações  de proteger as classes pobres mas a classe média não consegue inferir que essa omissão a afeta por excelência. A classe média nao percebe que a pobreza bate a sua porta por meio de roubos, pedintes, notícias de mortes sem socorro nos hospitais públicos, etc. porque o imposto que pagou foi direcionado para esquemas ilegítimos e, nao raro, ilegais e criminosos. 
A meta é o acúmulo do capital nas mãos de poucos. E ponto. As próprias empresas detentoras do capital que ganham as licitações para construir as grandes obras que envolvem o meio ambiente – além da apropriação das riquezas e do recebimento de mega-parcelas de dinheiro publico - impõem baixos salários aos seus operários e tentam, de todas as formas, burlar as garantias da legislação trabalhista (ver o caso da Vale, na postagem anterior). 

No entanto, em pior situação está a maioria do povo, que é simplesmente ignorada, excluída da fruição de direitos fundamentais constitucionalmente garantidos.
Desenvolvimento sustentável é apenas uma retórica repetida pelos governantes e um conceito que jamais poderá ser compreendido - e muito menos exigido - pelos 800 milhões de pessoas em todo o mundo sem acesso à água de boa qualidade ou por aqueles que estão a vender um rim, um pedaço de seu próprio fígado, uma córnea, por dois mil reais.

Portanto, prezados leitores, peço imensa venia por apresentar-lhes todo esse pessimismo, mas não seria sincera se escrevesse que estamos em um momento alvissareiro, embora sejamos a 6a. potencia mundial em termos económicos. Cada vez mais somos enganados e relegados a último plano pelo governo, seja ele do PT, do PSDB ou de qualquer outro partido. Um é a cara do outro e todos comem no mesmo prato de porcelana fina e com talheres de ouro fornecidos pelas grandes empresas capitalistas em troca de obrar superfaturadas, enquanto a classe média e os pobres sao enganados com a falácia de que o dinheiro público decorrente dos tributos estratosféricos que pagamos está sendo empregado nas grandes obras ambientais para gerar desenvolvimento económico e melhorias sociais.

4 comentários:

Anônimo disse...

Ana,

Parabéns pela matéria sobre as "grandes obras". Não acho que seja pessimismo o que você expressou em sua conclusão, acho sim, a mais pura das realidades, a qual precisamos combater, e fico feliz em observar que você ao tomar conhecimento de assuntos como esse, utiliza os meios que lhe estão disponíveis para manifestar sua indignação e revolta. Que bom que nesse momento milhares de pessoas foram alertadas através desse canal de comunicação (seu blog), das artimanhas praticadas por governantes, políticos e empresários, que acabam como atores principais de um filme onde os bandidos sempre levam a melhor. Quem sabe um dia, mais pessoas, que tenham a mesma inquietação que você expressem o mesmo sentimento, ai poderá ser que este filme mude de diretor e tenha um final feliz para a maioria dos cidadãos.

Anônimo disse...

Dra. Ana Maria,
senhora tem razão.eles simplesmente atropelam as leis ambientais, a propria constituição. Veja no blog da perereca da vizinha a matéria " MP pede suspensão do licenciamento e obras da usina de Teles Pires por falta de consulta a indígenas. Apesar de o projeto impactar agressivamente as fontes de sobrevivência socioeconômica e cultural indígena, Constituição foi ignorada"

Anônimo disse...

A Perereca da vizinha postou que
O Ministério Público do Estado do Mato Grosso (MP/MT), o Ministério Público Federal no Pará (MPF/PA) e no MT (MPF/MT) ajuizaram na última sexta-feira, 16 de março, a quarta ação por irregularidades no licenciamento ambiental da usina hidrelétrica de Teles Pires, uma das seis barragens previstas para o rio de mesmo nome, que fica entre os dois Estados.

O Mp pede que a Justiça determine ao (Ibama) e à Empresa de Pesquisa Energética (EPE) a suspensão imediata do licenciamento e das obras da usina.

O motivo é o não cumprimento da determinação constitucional que obriga a realização de consulta livre, prévia e informada dos povos indígenas afetados.

Apesar de o projeto impactar de forma direta e agressiva as fontes de sobrevivência socioeconômica e cultural dos povos Kayabi, Munduruku e Apiaká, as comunidades não foram ouvidas.
O Ministério Público do Estado do Mato Grosso (MP/MT), o Ministério Público Federal no Pará (MPF/PA) e no MT (MPF/MT) ajuizaram na última sexta-feira, 16 de março, a quarta ação por irregularidades no licenciamento ambiental da usina hidrelétrica de Teles Pires, uma das seis barragens previstas para o rio de mesmo nome, que fica entre os dois Estados.

é isso aí: como respeitar a Constituição se ela é um entrave á Exploração pelos detentores do poder?

Anônimo disse...

A usina, diz a matéria, além de violar o artigo 231 da Constituição e diversas convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, a não realização da consulta desobedece vasta jurisprudência do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, alerta o MP.

"Considerando-se que a política energética atual do estado brasileiro para a Amazônia compreende a produção de energia a partir do barramento dos rios, o direito à consulta, conforme estabelecido na Constituição e na Convenção 169 merece relevo, na medida em que sua efetivação pelo poder público é obrigatória nesse contexto e é condição para a segurança das comunidades e livre exercício dos direitos humanos e fundamentais daqueles povos indígenas cujo modo de vida inerente ao rio passa a ser ameaçado por usinas hidrelétricas", afirma o texto da ação assinada pelos promotores de Justiça Hellen Uliam Kuriki e Luciano Martins da Silva (MP/MT) e pelos procuradores da República Felício Pontes Jr. (MPF/PA) e Márcia Brandão Zollinger (MPF/MT).

Falhas e impactos brutais - As três primeiras ações do MP já haviam apontado falhas graves no processo de licenciamento (estudos ambientais incompletos, problemas nas audiências públicas e a não realização de ações obrigatórias que poderiam reduzir os impactos da obra), mas mesmo assim o Ibama concedeu a licença de instalação, em 19 de agosto do ano passado.

Quatro dias depois as obras foram iniciadas pelo consórcio construtor, formado por Odebrecht Energia, Voith Hydro e Alstom.
A ação do MP ressalta dados que mostram a existência de danos iminentes e irreversíveis para a qualidade de vida e patrimônio cultural dos povos indígenas da região.

Dentre eles está, por exemplo, a inundação das corredeiras de Sete Quedas, berçário natural de diversas espécies de peixes.

As cachoeiras de Sete Quedas, que ficariam inundadas pela barragem, são o lugar de desova de peixes que são muito importantes para nós, como o pintado, pacu, pirarara e matrinxã", registra texto de um manifesto indígena citado na ação.




Além da sobrevivência física, Sete Quedas é fundamental para a sobrevivência cultural dos povos indígenas.




Para eles, é uma área sagrada, relevante para suas crenças, costumes, tradições, simbologia e espiritualidade.




Como patrimônio cultural brasileiro, é um bem protegido pela Constituição, destacam os procuradores da República e promotores de Justiça, que citam, ainda, normas internacionais de proteção ao patrimônio cultural imaterial.




Outras ameaças à vida indígena citadas pelo MP são os iminentes conflitos gerados pelo aumento do fluxo migratório na região, como a especulação fundiária, desmatamento ilegal, pesca predatória e exploração ilegal de recursos minerais.




Como a demarcação de uma das Terras Indígenas, a Kayabi, está pendente há quase 20 anos, essas ameaças são ainda maiores, diz o MP.

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