Por Ana Maria
Como meu humilde blog é lido por pessoas não só de todo o Brasil mas também da Europa, dos Estados Unidos e até da Africa (ainda me surpreendo quando as estatisticas acusam leitores da Ucrânia, da Russia, de Moçambique, da Alemanha, etc, acessando o blog) cumpre-me fazer um breve resgate do caso, antes da minha nao menos humilde mensagem ao corajoso e obstinado jornalista.
Lucio Flavio Pinto, jornalista independente, muito conhecido, e editor do Jornal Pessoal, denunciou o grileiro Cecilio do Rego Almeida pelo apossamento criminoso de uma area de 4.700 hectares situadas na região do Rio Xingu, Estado do Pará, Amazônia, Brasil. O grileiro, entao, o processou por danos morais. O processo, denunciado por Lucio como um verdadeiro instrumento de retaliação contra sua pessoa e seu mister de jornalista investigativo, culmina com uma condenação ao pagamento de um valor em dinheiro ao grileiro. O tribunal paraense confirma a decisao do juiz a quo, mantendo a condenação. Para Lúcio, os atos e as decisoes em ambas as instancias revelam julgamento político de uma causa jurídica.
Lucio, entao, entendendo que se trata de um julgamento político, decide nao mais recorrer da decisao, embora a considere injusta, e cumprir o mandamus judicial. Mas decide nao fazê-lo sozinho, por seus próprios recursos financeiros, e sim com a ajuda da sociedade civil, a qual conclama a arcar com o custo de indenizar o grileiro.
Assim, ele faz uma campanha vitoriosa de arrecadação de fundos para indenizar o grileiro por te-lo chamado de grileiro. Em poucos dias a sociedade civil deposita, pouco a pouco, na conta indicada por Lucio, o valor necessário para indenizar o autor da ação, ou melhor, seus sucessores, pois o grileiro morreu no ano de 2008.
A rapidez na arrecadação dos fundos revela que a sociedade paraense tomou para si a indignação, que a sentença atingiu a todos aqueles que compreendem o funcionamento de uma máquina que tem que mudar, que exige-se que mude.
A injustiça da sentença de indenização ao grileiro torna-se tanto mais evidente diante da decisao da Justiça Federal que, no ano passado, reconheceu a grilagem das terras por parte do autor da ação contra Lucio Flavio e ordenou o cancelamento das matriculas imobiliárias concernentes ao gigantesco imovel rural situado no coração da Amazonia, cujo apossamento criminoso foi objeto da denúncia do jornalista. No entanto, esse reconhecimento nao atinge o processo de Lucio, que continua sendo obrigado a cumprir uma sentença que considera eivada de injustiças processuais e materiais.
Segue-se, daí, uma série de matérias jornalísticas, de atos públicos em apoio a Lucio, criação de páginas na Internet. É a socieade civil paraense assumindo-se, junto com Lucio, como vítima de uma decisao errada.
Minha mensagem a Lucio Flavio Pinto
Lucio, prezado e admirado jornalista, só tenho uma palavrinha que, embora de nada possa servir em relação à injustiça que vc sofreu, pode ter alguma valia se for tomada como mais um apoio moral de quem se indigna e desconsola sempre que constata o quanto é usual que as pessoas se calem por puro medo de sofrerem as retaliações que vc tem sofrido ao longo de sua jornada. E do quanto outras tantas se valem disso para manter a lei do siléncio.
Digo-lhe, entao, o velho bordão "a Justiça funciona dessa forma desde que o mundo é mundo". Com essa frase, longe de mim pretender que devamos nos conformar com esse tipo de atuação por parte de qualquer autoridade pública, mas apenas quero assentar que a sua luta (e de tantos outros) é milenar.
Para provar meu asserto, resgato aqui o famoso conto "O cao e o cavalo", de autoria de ninguem menos do que Voltaire. Nele, Zadig é condenado a passar o resto da vida na Sibéria por ter furtado o cao da rainha e o cavalo do rei. No entanto, logo em seguida à sentença os dois animais aparecem, provando a inocencia de Zadig. O tribunal, constrangido, tem que reformar a decisão, mas os juizes decidem condenar Zadig a pagar quatrocentas onças em ouro porque consideram que ele mentiu diante do tribunal, dizendo que nao vira os animais quando, na verdade, os viu. Ocorre que novamente vem a prova de que ele nao mentiu, isto é, realmente nao tinha visto os bichos. Os juizes, entao, sao obrigados a declará-lo inocente e, por consequencia, a lhe restituir o valor da multa. E assim o fazem, devolvendo-lhe as 400 onças em ouro, mas retem 398 onças para pagar as custas do processo.
Depois dessa experiencia, Zadig percebe o quanto é perigoso ser demasiado sábio e jura que se manterá calado para sempre. No entanto, pouco tempo depois um prisioneiro do Estado foge e passa pela janela de Zadig. Este, interrogado, nao responde nada, mas é condenado a pagar 50 onças em ouro porque os juizes entendem que ele chegou a olhar pela janela no momento em que o fugitivo passava, mas manteve-se calado sobre esse fato. Ele, entao, agradece a indulgencia dos juízes e reflexiona o quanto é perigoso ir a um bosque onde passaram o cao da rainha e o cavalo do reu, assim como chegar à janela de sua propria casa.
O conto revela, portanto, que a prática da qual vc foi vítima é secular. E não foi expurgada nem mesmo com a implantação do regime democrático, da burocracia do Estado, com a impessoalidade estatal como regra a ser rigorosamente observada. A diferença é que, agora, neste inicio de século XXI, a tecnologia permite que noticias antes "jogadas para debaixo do tapete" pela grande midia sejam expostas a um público significativo por meio de redes sociais, blogs, jornais eletronicos etc. Assim, a prática milenar atinge o nível da intolerabilidade: nao toleramos mais um Poder Judiciário que ponha a venda nos olhos para a verdadeira justiça, que tenha como finalidade dar uma resposta meramente formal aos casos que lhe sao levados, sem compromisso com o bom, com o correto, com o justo. O que é o bom, o justo, o correto podem até ser respostas dificeis, mas nao impossiveis e absolutamente dentro do contexto de que direito e moral andam juntos, unidos, inseparáveis.
Sinceramente, eu espero que esse exemplo de adesão social à campanha que vc sabiamente instituiu sirva para abrir os olhos dos que ainda descreem da força transformadora de uma sociedade esclarecida. E espero que dias venham em que possamos denunciar os criminosos sem o medo de termos que assumir o lugar deles por conta de um Poder Judiciário com a venda nos olhos.
Finalmente, registro que alguns PJ´s estao respondendo a ações criminais (crimes contra a honra) por terem ousado dizer que nao concordaram com tal ou qual decisão judicial injusta. Portanto, assim como na sociedade francesa do Século XVIII, na nossa pós-moderna e democrática, ainda continua sendo muito perigoso revelar sabedoria, discernimento e, mais ainda, ousar apontar as falhas técnicas de uma sentença judicial, mesmo tendo a liberdade de pensamento com garantia constitucional.
Minha mensagem a Lucio Flavio Pinto sobre a decisao que o condenou a indenizar o grileiro por te-lo chamado de grileiro
terça-feira, 6 de março de 2012
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