STJ: ao inocentar estuprador de meninas prostituídas, o tribunal condenou a miséria a viver sua propria indignidade sem interferência da Justiça

sábado, 31 de março de 2012

Por Ana Maria
Foto:
 http://varjota.wordpress.com
Na terça-feira (27/03) o STJ  inocentou um homem que estuprou três meninas menores de 12 anos que se prostituiam.
Uma compreensao totalmente em desacordo com a política de combate à prostituição infantil, ao ECA e à própria dignidade da pessoa humana levou a relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, a considerar que, pelo fato de as meninas se prostituírem "desde longa data", o estupro deixou de ser criminoso porque não teria violado o "bem jurídico tutelado", que é a liberdade sexual. Em síntese, o STJ negou às crianças ofendidas o direito de serem vítimas.

Pergunto: alguem neste país - salvo os Ministros do STJ - acredita que meninas de 12 anos, pobres, famintas, sem acesso aos direitos fundamentais de primeira geração e totalmente vulneráveis estão em condições de liberdade para decidir se desejam ou não viver da prostituição? As crianças que se prostituem o fazem por sua vontade livre e soberana? Elas são realmente livres e donas de suas vontades para tomar decisões em relação a alguma coisa na triste vida que levam? Elas escolhem esse destino cruel? Decidem com liberdade que querem viver nessa indignidade? Optam por isso? 
 
A sociedade e o Estado devem combater tenazmente a exploração sexual de crianças e jovens por adultos indignos. Se elas são prostitutas, com maior razão devem ser condenados todos os que delas se aproveitam. No entanto, a desumana decisao que absolve o criminoso e condena a pobreza abre precedentes para que casos futuros de estupro contra meninas destiduídas tenham o mesmo desfecho. A decisão do STJ, em suma, permite que o sexo com garotas menores de 14 anos seja livremente praticado se for pago. Para a corte, as pobres coitadas "decidem" viver da prostituição.
Dois pesos e duas medidas
Enquanto as meninas pobres tiveram negado o direito de serem vítimas, os adolescentes que assaltam, matam, traficam não tem a formação completa para receberem qualquer tipo de retribuição pelo mal praticado.    

Poder Executivo e Poder Judiciário viram as costas para o problema da prostituição infantil
Excluídas das políticas públicas do Executivo, sem acesso à repartição do "bolo" dos recursos públicos que devem servir para diminuir as desigualdades sociais e promover o desenvolvimento integral da pessoa humana, as meninas foram condenadas pelo Poder Judiciário a não ter o direito de serem reconhecidas como vítimas não só do estuprador, mas da própria sociedade que lhes vira as costas. 
Resta-nos esperar que o Poder Legislativo, que representa o povo, reaja com toda a indignação da sociedade. O pensamento elitista do STJ, de desprezo para com a situação que vivem as meninas carentes, revelado com clareza solar nas palavras da relatora, mostram que alguns intergrantes desse Poder ainda pensam como a nobreza de três séculos atrás, que, embora destituída de seus pomposos títulos pela Revolução Francesa, ainda levava no recôndito de suas almas a equivocada certeza de que os pobres eram a plebe que nao merecia ter reconhecidos os mesmos direitos fundamentais, os quais deveriam ser reservados a uma "casta" com acesso a conhecimento e bens materiais.

Indignação por parte de várias autoridades defensoras dos direitos humanos
A decisao do STJ causou revolta em muitas autoridades que defendem a igualdade material e defensoras de direitos humanos. A ministra Maria do Rosário da Secretaria de Direitos Humanos (SDH), por exemplo, publicou uma nota afirmando que os direitos de crianças e adolescentes "jamais podem ser relativizados" e que a sentença deixou impune "um dos crimes mais graves cometidos contra a sociedade brasileira". Ela observou, que a justificava usada para a absolvição - de que, à época dos fatos, as vítimas não eram inocentes, ingênuas, inconscientes ou desinformadas - é inaceitável, porque responsabiliza as meninas pela situação de vulnerabilidade que se encontram.

Poder legislativo repudia o decisum atentatório aos direitos humanos
Segundo o Portal do PT no Senado, a bancada petista juntou-se à ministra Maria do Rosário para repudiar a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nesta quinta-feira (29/03), os senadores Paulo Paim (PT-RS) e Ana Rita (PT-ES), divulgaram notas de protesto, nas comissões de Direitos Humanos (CDH) e Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), que investiga a violência contra a mulher. Eles querem a revisão da decisão.
Paim, que coordenava um debate sobre a política brasileira de direitos humanos, após ler uma nota pública encaminhada pela ministra nesta manhã, sugeriu aos membros da CDH dar apoio ao texto que será enviado pela Secretaria ao procurador Geral da República, Roberto Gurgel, e ao advogado-geral da União (AGU), Luiz Inácio Adams. "A Comissão de Direitos Humanos aprovou a subscrição da nota a fim de reverter o caso. Esse criminoso precisa ser punido exemplarmente", afirmou.

A senadora Ana Rita demonstrou indignação ao argumentar que "essa decisão parte do princípio de que uma criança de 12 anos - que não é mais virgem -, não precisa de proteção, não merece atenção do Estado e não necessita ter sua integridade física e psicológica respeitada. Fizemos uma nota de repúdio manifestando a nossa posição e esperamos que o STJ reveja o caso". 

No mesmo sentido, a nota assinada pelas parlamentares da CPMI da mulher questiona as motivações que levam meninas em idade tão precoce a prostituição. "É impensável que uma criança de 12 anos ou menos (já que viviam há muito tempo na prostituição) possa nela ter ingressado voluntariamente. Esquece-se a Ministra Maria Thereza que a prostituição de jovens no Brasil é fruto da violência, da exploração sexual e de sua condição de vulnerabilidade", destacou o texto.

Outras notas de repúdio também já foram divulgadas utilizando os mesmos argumentos - pela Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).

Referência: portal do PT no Senado

5 comentários:

Marcelo disse...

Esse monstro da censura ainda existe em muitos países, em graus alarmantes como ocorria em nossa Ditadura Miliar, ou até pior. Mas acredito que o que ocorreu não justifica uma repressão dessa natureza, o Estado dispõe (eu acho) de meios suficientes para trabalhar com inteligência. Abraços, querida professora, excelente postagem...

Marcelo disse...

Esse é o Brasil da moral e dos bons costumes...
Não sou a favor da decisão do STJ, acredito que deve-se punir o crime de estupro independente de se as crianças eram prostitutas a época dos fatos, uma vez que o tipo penal do estupro de vulnerável estabeleceu critérios objetivos que não podem ser relativizados. A Lei diz que manter relação sexual com menor de 14 anos é crime, independente do emprego de violência ou grave ameaça, portanto, não pode ser relativizado. Engraçado que há poucos dias o mesmo STJ considerou que os dispositivos da Lei Seca, que são objetivos, também estavam sendo relativizados ao se condenar motoristas embriagados sem o uso do bafômetro ou da perícia feita pelo IML, e que, por esse motivo, julgaram a inconstitucionalidade dessas decisões, exigindo o cumprimento do critério objetivo. Parece que interesses escusos estão por trás de certas decisões do STJ, assim como do STF. Um grande abraço querida professora, parabéns pelo ótimo texto.

Ana Maria disse...

Brasília O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Ari Pargendler, disse hoje (29) que o tribunal poderá revisar a decisão tomada pela Terceira Seção da Corte, segundo a qual nem sempre, o ato sexual com menores de 14 anos pode ser considerado estupro. "É um tema complexo que foi decidido por uma turma do tribunal. É a palavra do tribunal, mas, evidentemente, cada caso é um caso, e o tribunal sempre está abeto para a revisão de seus julgamentos. Talvez isso possa ocorrer."

O pedido de revisão deverá partir do governo, informou a secretária de Direitos Humanos, ministra Maria do Rosário. Ela informou que vai entrar em contato com o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e com o advogado-geral da União, Luiz Inácio Adams, para tratar do caso.

O tribunal entendeu que não se pode considerar crime o ato que não viola o bem jurídico tutelado, no caso, a liberdade sexual. No processo analisado pela seção do STJ, o réu é acusado de ter estuprado três menores, todos de 12 anos. Tanto o juiz que analisou o processo quanto o tribunal local o inocentaram com o argumento de que as crianças já se dedicavam à prática de atividades sexuais desde longa data.

Pargendler disse ainda que a decisão deve ser entendida como uma questão técnica, que precisa acompanhar as leis vigentes no Brasil. "As decisões judiciais são pautadas pela técnica e, às vezes, esses aspectos não são bem compreendidos pela população. No direito penal, vige o princípio da tipicidade, que é o princípio da legalidade estrita. Então, é bom que a sociedade reflita sobre as decisões dos juízes, mas a sociedade precisa entender que os juízes não criam o direito, eles aplicam a lei. Então, com esse temperamento, eu espero que a posição dessa turma, nesse caso concreto, seja compreendida", explicou o ministro.

Ele evitou julgar a decisão tomada ontem."Eu, como presidente do STJ, não posso julgar uma turma do tribunal. Não posso dizer se ela foi conservadora ou inovadora. Talvez tenha sido até inovadora, porque realmente a prática anterior parece que não foi observada no caso, ressaltou.

O entendimento do STJ é o mesmo do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a questão. Em 1996, o ministro Março Aurélio Mello, relator do habeas corpus de um acusado de estupro de vulnerável, disse, no processo, que a presunção de violência em estupro de menores de 14 anos é relativa. A decisão diz respeito ao Artigo 224 do Código Penal, revogado em 2009, segundo o qual a violência no crime de estupro de vulnerável é presumida.

Edição: Nádia Franco

Francisca disse...

Excelente texto! Mais uma vez, eles estão se escondendo atrás da desculpa do tecnicismo para não assumir seus atos vergonhosos.

Agora, eles falam como se a lei anterior obrigasse a absolvição do réu quando provado que a menor consentiu com o ato. Ora, nós sabemos que isso é falso. Muitos juízes e o próprio STJ, em julgados anteriores quando ainda vigorava a antiga lei, aceitaram a tese de que bastava a vítima ser menor de 14 anos para caracterizar a violência, independente de consensualidade. Isso prova que a lei anterior não impunha aos magistrados que absolvesse o réu apenas porque a menor era prostituta e “consentira com o ato”. Esse era apenas um dos caminhos que eles podiam seguir. Portanto, havia sim como condenar o acusado, mesmo aplicando a lei anterior. Porém, o STJ escolheu absolvê-lo, adotando a interpretação ridícula de que não caracteriza violência por parte do adulto a prática do comércio sexual com uma criança de 12 anos!

Agora, resta apenas aos ilustres magistrados assumir isso perante a sociedade.

Anônimo disse...

STJ e algo impulguinante!! Se fosse suas filhas?

Postar um comentário

 

Posts Comments

©2006-2010 ·TNB